terça-feira, 18 de agosto de 2015

Mini-FanFic: "O Incrível Espetáculo dos Dançarinos Fantasmas" (livre)



Autora: L. M. Souza




Sinopse

Em uma terra onde tudo ocorre normalmente, um grupo de dançarinos nômades e irreverentes decidem fazer morada temporária. O pagamento pela estadia é apenas um: agradar o dono do lugar.

Tarefa a primeira vista fácil para um grupo que tem como maior talento espalhar alegria, mas que se torna o início de uma série de acontecimentos estranhos e inexplicáveis.




(BOOK TRAILER)














Era uma vez... nas lembranças de menina de Elizabeth.


A luz do crepúsculo banhava as montanhas e vales ao redor das terras onde eu morava. Em uma estrada de terra batida, uma estranha fila de três carruagens enormes seguia seu rumo, tendo a sorte como guia e a sede de alegrar como bússola. O cortejo abrigava a trupe de dançarinos nômades mais incomum que minha forma comum de interpretar é capaz de descrever.

Nunca havia visto um objeto de madeira como aquele. Grandes cômodos, com portas, janelas e até mesmo caminés, cada uma estranha ao seu modo, ziguezagueando pela estrada, vindo em minha direção. Na última, maior e mais desengonçada carruagem, eram guardados todas as cortinas, espelhos, caixas e todo tipo de artigos utilizados pelos nômades; Na do meio, era a carruagem das mulheres e crianças. De todas as três, era a que apresentava mais conforto e zelo; Na da frente, abrigava todos os homens, do inusitado grupo de quarenta nômades dançarinos.

A cima da primeira carruagem, um homem de cabelos cacheados e negros como carvão, pele alva com a mais clara nuvem e olhos negros e expressivos como olhos de falcão, seguia assoviando, enquanto se abrigava abaixo de seu enorme chapéu e segurava as rédeas dos cavalos que iam a frente. Este era o líder do estranho grupo, e todos respeitosamente o chamavam de Maestro.

Ao seu lado na carruagem, uma garoto, que aparentava ter seus dez anos, acompanhava com entusiasmo e satisfação o som ritmado do assovio do pai. O garoto era uma quase perfeita miniatura do Maestro, só não posso dizer que eram exatamente iguais, devido a suavidade e ar de inocência nos traços do jovem rapaz.

Naquela época, por mais inocente que meus olhos fossem, pude notar que aquele cortejo de nômades tinha um ar diferentemente fascinante. As cores, brilhos e risos do estranho grupo me encantaram logo de início. Era algo que eu jamais havia visto em minha curta vida.

Das janelas eles acenavam, mandavam beijos e gracejos para qualquer espectador que parasse para assistir vossa chegada. Era como se apenas o fato deles existirem, já fosse um grande e incrível espetáculo.

A primeira vez que os vi, eu estava na varanda do meu quarto, brincando com minhas bonecas como sempre fazia, até o barulho de uma multidão no portão da frente atrair minha atenção. Todos os camponeses que ali viviam, acompanharam o trajeto das carruagens, da entrada das terras, até os portões da casa principal, ou seja, a casa do meu pai.

Edgar, era um viúvo, senhor de vastas terras e ali sua palavra era lei. Era um homem rigoroso, ordem e disciplina era o seu maior lema e nada, além de mim, partilhava de seu afeto. Eu era Elizabeth, a única herdeira de tudo que ele tinha.

Fui criada com mimos e caprichos e posso dizer que devido a isso, não fui uma criança fácil de lidar. Acostumada a ter sempre tudo que quis, me tornei prepotente, esnobe e egoísta. Mas algo mudou em mim, quando o estranho cortejo de nômades entrou naquelas terras, atraindo a atenção de todos.

O gentil Maestro, veio até os portões de nossa casa, pedir educadamente a autorização do meu pai para se abrigar por uns tempos em suas terras. Meu pai, conhecido por sua rude autoridade, não foi imune a tamanho fascino dos estranhos visitantes. O grupo alegre e irreverente, despertou o homem bom que nele habitava, e por conta disso, a permissão foi dada, mas havia uma condição.

Os estranhos nômades deveriam se apresentar apenas para ele, para mim e para mais ninguém. Meu pai tinha medo de que fascinados pela forma de viver dos dançarinos, os habitantes de suas terras resolvessem seguir seu exemplo e abandonasse seus serviços, para seguir em viagem, assim que o estranho grupo decidissem partir.

Porém, o Maestro não gostava de privar sua arte. Na concepção dele, os talentos artísticos serviam para alegrar a todos e privar essa dádiva para os caprichos de apenas um era um grande erro. 

Mas qual outra escolha ele tinha? Fazia muito tempo que sua trupe viajava por terras desertas, a comida e água já estava ficando escassa, eles precisavam parar para reabastecer e talvez aquelas terras, fosse a única pelas redondezas na qual eles poderiam fazer isso. Pensando no bem da sua trupe, o Maestro decidiu atender a vontade do meu pai.

Nossa! Nunca irei me esquecer do espetáculo que vi pela primeira vez. Só de relembrar, meu coração se anima, meu rosto se acende e um sorriso brota na minha boca. Aqueles dançarinos tinham magia nos pés! Eram guiados por uma sintonia única. Eles se moviam com gestos graciosos e encantadores, que me atingiam. E a música... Ah, a música! Aquele som e vozes só podiam ter vindo das harpas dos anjos. Foram poucos minutos, que desejei ardentemente que se eternizassem. Tal magia, também tocou o coração do meu pai. Sua frieza, derreteu diante da maravilha apresentada na sala de nossa casa. Edgar ficou fascinado e decidiu que o Maestro e seus amigos, jamais sairiam de nossas terras. Eles seriam encarregados do meu entretenimento e do meu pai, quando nós quiséssemos que eles dançassem. Meu pai, cederia a eles uma de nossas mansões na propriedade, eles teriam água, comida em abundância e tudo mais que desejassem. Não mais precisariam andar vagando por estradas desertas como sempre fizeram. Mas não fora este o combinado com o Maestro.

Um pássaro que nasceu livre, não consegue sobreviver em um cativeiro e o mesmo valia para os estranhos dançarinos. Maestro e seus amigos eram dotados de alegria e respeito mútuo, dons que a liberdade vos deu e moeda nenhuma é capaz de comprar.

O Maestro não aceitou a vontade do meu pai e decidiu ir embora assim que o combinado fosse pago. Porém, Edgar, ofendido com a recusa e cego pelo orgulho e avareza, descumpriu o trato, não pagando as sacas de comida que havia prometido.

Sentindo-se humilhado, Maestro resolveu dar o troco ao seu modo. Juntos dos seus amigos, fez o que Edgar mas temia. No meio das terras, para todo mundo ver, fez um espetáculo sem igual, inúmeras vezes melhor do que havia sido apresentado a mim e ao meu pai.

É difícil querer continuar sendo escravo, quando se experimenta algo tão bom quanto a felicidade. Os criados do meu pai foram tocados pela magia da arte dos dançarinos e desejaram ardentemente seguir viagem com eles, quando eles partissem no raiar do dia.

Mas a dureza de um coração orgulhoso, pode se provar insensível e decidida a tomar medidas extremas e impiedosas. Tomado pela ira e não acostumado a ter um capricho não atendido, Edgar mandou os seus capatazes fazerem tudo que estivesse ao seu alcance para impedir que o Maestro saísse vitorioso da afronta que fizera.

Atendendo a ordem e levados pela maldade, os capatazes atearam fogo nas carruagens dos dançarinos estranhos, quando ainda era noite e todos estavam dormindo.

Maestro e a incrível trupe de dançarinos estranhos se resumiram as cinzas. A chama acendida nos corações de todos aqueles que os viram dançar se apagou. Para os camponeses, tudo o que restou da esperança de viver uma vida mais feliz se foi, ficando apenas um imenso rancor, do meu pai e de tudo que a ele pertencia.

Os camponeses, apesar de serem muitos, não podiam lutar contra o meu pai. Eles eram muito pobres, gastavam o tempo que tinham trabalhando para garantir o sustento, não conheciam outra vida a não ser a que viveram até a ali. Se houvesse vingança, o destino seria terminar como Maestro e seus amigos. Por isso voltaram ao seus afazeres e não mais se rebelaram contra as vontades de Edgar.

Mas, decidiram jamais esquecer a audácia do Maestro. E em sua homenagem, fizeram um monumento em sua memória, na entrada das terras. Os estranhos dançarinos foram enterrados da maneira mais digna possível e ficando para sempre na memória.

Um para sempre que de fato, tornou-se verdadeiro. Magia é uma flor que não morre. Do meio daquela tragédia, algo não saiu como previsto. O poderoso Edward acostumado a sempre sair impune de seus crimes, se viu vítima do próprio plano. O astuto Maestro sensibilizados pelo carinho dos camponeses, mostraram que por maior que seja a crueldade de um homem, essa crueldade não é capaz de apagar a chama de um verdadeiro talento.

Sempre que possível, na sombra do monumento ou na sala da casa principal, os espíritos do Maestro e dos estranhos dançarinos vinham do submundo, para assombrar Edgar e tudo que a ele pertencia.


Sua casa tornou-se mal assombrada. Os bens de Edgar de vez em quando seu patrimônio ia desaparecendo. E sempre que possível, Maestro e seus estranhos amigos vinham do submundo para apresentar para quem quisesse ver, o incrível espetáculo dos dançarinos fantasmas.


 


Capítulo I
"Um amigo imaginário"


12 anos depois... nos dias atuais de Elizabeth.





Acordo me sentindo... renovada. Nesses últimos dias tenho andado dolorida, febril e sonolenta, mas nada que uma boa noite de sono não resolva.

Levanto da cama e pela janela, ouço a sinfonia de pássaros enquanto assisto a luz do sol adentrar. Faz um dia lindo lá fora e não há razões para ficar em casa, quando me sinto perfeitamente bem e os prazeres de uma tranquila caminhada me convidam.

_ Naná. - chamo minha babá mas não obtenho resposta. - Naná, onde voestá?

Entro no corredor. O chão coberto com tapetes persa, abafam meus passos. As paredes cobertas de retratos pintados a mão. O artista soube pintar a ternura dos traços de uma menina de cabelos castanhos e olhos cor de mel. Os lábios pequenos e rosados, como de uma rosa. Paro diante um deles. No retrato, a menina de pose delicada sentada entre bonecas, parece ser apenas mais um dos brinquedos que a cercam. É difícil acreditar que essa mesma menina de olhar inocente, um dia foi eu.

Sigo com minha procura. É estranho não achar a Naná, pois posso jurar que ainda pouco ouvi sua voz. Se ela estivesse por perto, já tinha vindo ao meu encontro. Desde que nasci, ela tem sido com uma mãe para mim. Deve estar atarefada com algo na cozinha, já que não está me paparicando como de costume.

Bom... se não consegui encontra-la, não é culpa minha se não irá saber onde estou. Saio assim mesmo, sem avisá-la.

Sinto falta do ar e cheiro de terra. Saio do casarão em que fui criada, sem nem prestar atenção o caminho que estou tomando. Como se fosse um sinal do destino de que devo sair, encontro os portões da frentes abertos. A vista do jardim me enche os olhos. Atravesso as portas como se estivesse entrando no paraíso.

Enormes eucaliptos e palmeiras, se espalham pelas terras até onde minha vista alcança. Dois anjos de pedra, derramam água na fonte em frente a casa e o gramado se espalha, pintando tudo de verde e vida. É lindo...

Foram nessas terras que nasci e passei boa parte da minha infância. Não sabia que dentro de mim, havia tanta saudade deste lugar. Em minha mente as lembranças dão voltas, muitas delas saindo do fundo da minha mente e se recriando em minha cabeça de uma só vez. Lembranças boas e outras nem tanto.

Olho para o andar a cima. Para varanda que pertence ao meu quarto. Não é com saudade que lembro que ali em cima, fui uma criança triste.

Papai não gostava que me aproximasse das outras crianças. Ele dizia que eu já tinha tudo que uma criança desejava e tudo que as outras crianças nunca teriam. A filha dele não era digna de brincar com brincadeiras tão bobas e de baixo nível. Correr, se esconder e se sujar de terra, era para os filhos camponeses. Sendo digna ou não, eu só queria ser alegre como os filhos dos camponeses pareciam ser.

Como não tinha amigos, como aos outras crianças, comecei a criar alguns só para mim. Eles eram frutos da minha imaginação, criativa e solitária. Meus amigos imaginários eram irreverentes, brincalhões e felizes, não precisavam ter dinheiro ou etiquetas. E caso meu pai aparecesse, era só pedir que eles se escondessem novamente na minha cabeça.

Precisei dizer adeus aos meu amigos imaginários quando fui mandada para um colégio interno na cidade, logo após meu pai descobrir que eles existiam. Papai enfim percebeu que tudo que eu mais queria era companhia, então me mandou para um colégio interno, para viver com outras crianças.

Fiz novos amigos, mas por algum motivo especial, permaneceu presente em minha mente. Não consegui me despedir de Maestro. Ele era um dançarino, de capa e chapéu e parecia ser mais vivo que todos os outros.

Que bobagem... Maestro é passado. Meu objetivo é aproveitar o agora. Deixando minhas lembranças para trás, sacio minha vontade de caminhar.

Seguindo adiante, até os fundos da casa grande, avisto um grupo de três homens empilhando diversas sacas de trigo em cima de duas carroças. Os homens trabalham com agilidade, conversando e alheios a minha chegada.

_ A colheita foi duas vezes maior que o ano passado. O patrão irá lucrar muito com todo esse trigo. - diz um homem alto e musculoso, ao lançar duas sacas de trigo de uma só vez na traseira da carroça da frente.

_ Seja mais cuidadoso com isso, Simas. Se essas sacas estourarem, o patrão vai querer tirar o prejuízo do seu bolso. - ralha um senhor de idade avançada, sentado na soleira, observando os homens em seus afazeres.

_ Não se preocupe, Astolfo. O patrão já tem muito com o se preocupar na casa grande. Não viu o quanto ele estava preocupado, quando a carruagem com a filha chegou aqui? O homem estava murcho de tanto chorar. Até cheguei a sentir pena.

_ Pena? Aquele velho lá merece a pena de alguém. - outro homem resmunga, mal humorado. - Ele nos trata como escravos, nos paga uma miséria. É bom saber que alguém como ele é capaz de sentir algum sofrimento.

_ Não fale asneira, Ananias. - ralha mais uma vez o Astolfo. - O Sr. Edgar nem sempre foi esse homem cruel que todos dizem. Ele só parou de se importar com a vida, depois que a esposa faleceu. Aquela menina que ele trouxe adoentada do colégio interno, é tudo que ele tem. Você não sabe como foi difícil para ele ter que manter a menina longe, apenas para protegê-la das ameaças do Maestro. - acrescenta, com pesar.

A feição sentida de Astolfo, não é repetida pelos outros dois camponeses. Símas e Ananías caem de repente no riso, como se tivessem ouvido uma piada muitíssimo engraçada. Fico sem entender a reação deles. O velho não disse nada para causar tanta graça. Mas o mais estranho não é isso. Acho que o ouvi falar sobre o... Não, não pode ser! Ele só existiu na minha mente.

Me escondendo atrás de uma pilha de toras, continuo ouvindo a conversa dos homens, começando a ter mais interesse pelo o que é dito.

_ Mas é claro! As ameaças do Maestro. - diz Simas em tom de ironia, secando as lágrimas causadas pelo riso.

Maestro! Definitivamente eles estão falando do Maestro. Mas como?

_ Deve ser por isso que o Sr. Edgar, mandou nós três vigiar a casa grande. - diz Ananias, fazendo um estalo de desdém com a língua. - Como se já não bastasse todo o trabalho que temos, ainda temos que ficar caçando fantasma. Seria bom esse desgraçado levar um susto dos grandes. Quem manda ser tão desalmado? Isso que está acontecendo com a filha dele é castigo. Não duvido que Michael não seja capaz de fazer uma coisa como essa.

_ E é bom aquele moleque desvairado ficar na dele. - adverte Sr. Astolfo, de uma hora para outra ficando furioso - Tudo precisa ter um limite. A menina está adoentada, é bom ele respeitar a situação.

_ Por falar nisso, alguém chegou a ver a filha do patrão depois que ela chegou? - Simas pergunta, ao erguer mais duas sacas sobre os ombros musculosos.

Temendo que eles me vejam, me encolho um pouco mais para trás.

_ Não. - responde Sr. Astolfo - O Sr. Edgar disse que está adoentada demais. Chegou aqui inconsciente, a pobrezinha. - de repente ele sorrir, lembrando de algo agradável e esbraveja - Elizabeth... Lembro de quando era ainda uma menininha. Parecia um anjinho. Bonita igual a mãe.

_ Mas metida igual ao pai. - interrompe Ananias - Mesmo pequena se sentia melhor do que nós e gostava de ficar dando ordens aos criados. Graças aos Céus o patrão a mandou para longe daqui ainda cedo.

Mas que disparate! Meu queixo praticamente despenca com a ofensa. O que esse homem rabugento sabe sobre minha vida?

Não sei se ficou onde estou, ou se me denuncio. Duvido muito que ele tem coragem de repetir a ofensa, na minha casa. Mal dou um passo a frente, pronta para encarar o empregado resmungam, quando ouço um grito excruciante. Congelo. O grito veio da casa grande!

Os homens olham uns para os outros alarmados, como se esperassem que um fosse explicar ao outro o que fora aquilo. Depois de segundos extensos, um novo grito é ouvido. O pânico nos rostos dos três homens aumentam e sem esperar por mais, eles saem correndo em direção a entrada da mansão para ver o que aconteceu.







Capítulo II
"Uma dança memorável"


Era uma vez... no esconderijo do astuto Michael.



Mais um dia se levanta e junto com ele mais uma manhã de trabalho. Calçando minhas botas e pegando meu chapéu, inicio minha rotina.

Dou duas batidas na porta do quarto a frente e abro após ouvir a autorização.

_ Pai, já estou indo. O senhor ficará bem?

_ Vou, Michael, não se preocupe. Marieta cuidará bem de mim, como sempre faz. Não sei o que fiz de bom nessa vida para Deus ter me dado dois filhos de ouro. - diz ele, se mexendo um pouco na cama e tentando esconder a fisgada de dor que sentiu na perna.

Sorrio, por suas palavras e seu gesto doce.

Meu pai sempre fora assim, muito mais preocupado com os outros do que consigo mesmo.

_ Não seja modesto, Sr. Maestro. O senhor sabe muito bem as diversas coisas boas que fez na vida, para ser merecedor de todo amor que recebe.

Em seu rosto pálido e enrugado, que tantos dizem que é tão parecido com o meu, um sorriso constrangido se forma. 

_ Como está as coisas entre você e Greta? Você gosta mesmo daquela moça?

Hum... lá vem ele de novo com esse assunto.

_ Não é questão de gostar, pai. Greta sempre foi boa para nós. 

_ Michael, Michael! Essa foi uma péssima resposta a minha pergunta.

_ Falei apenas a verdade, meu pai. Cuide-se bem. - vou até ele e lhe dou m beijo na testa. - Se precisar de alguma coisa chame Marieta, e se acontecer algo de grave peça para alguém me chamar.

_ Tudo bem, meu filho. - ele responde apenas, para meu alívio, não retomando o assunto que iniciou.

Sei que ele não aprova meu noivado com a Greta. Acha que sou muito novo e inexperiente para noivar, mas quanto a isso, não posso concordar.
_ Sua bênção. - peço.

_ Deus o abençoe. - ele diz ao me ver sair.

Assim que chego a cozinha, uma garota magricela, de cabelos escuros presos em marias chiquinhas, saltita agitada de um lado para o outro, mexendo em panelas e cantarolando para si mesma.

Achando graça na cena e aproveitando que ela não notou minha presença, me aproximo sorrateiro, pronto para fazer algo que sei que ela detesta.

_ BOM-DIA-MARIETA! - digo alto perto de seu ouvido sem ela esperar, fazendo cócegas em suas costelas.

_ Aaah! - berra com um gritinho agudo e logo em seguida se volta para mim, ficando irada - Michael, quantas  vezes preciso te dizer para parar de fazer isso?

_ Vezes suficiente, até me convencer. - digo, escondendo a graça com um sorriso no canto da boca.

Ela fica emburrada e volta a fazer a tarefa de antes, resmungando algo como, "Bobão! Quando vai decidir deixar de ser criança?!".

_ Ouvi isso! - aviso, me sentando à mesa.

Suas sobrancelhas se unem, formando uma ruguinha no centro. Aos poucos, ela termina não resistindo e cai no riso junto comigo. Sua risada meiga e inocente, revela a menina de treze anos que é. Apenas dez anos mais nova que eu.

_ Você já é adulto, sabia disso?

_ Sei! - digo com orgulho - E uma adulto muito responsável, diga-se de passagem.

_ Responsável? Tá bom! Vou fingir que acredito.

_ Está debochando de mim Marieta? Por acaso quer ver se resiste a mais um ataque de cócegas?

Ela me olha com tédio fingido. Com um suspiro dramático, ela reclama.

_ Apenas cresça, Michael! - rio. Ela sabe muito bem que só ajo dessa forma, para ver o sorriso da menina que é obrigada a ser adulta, por causa dos acasos da vida.

_ Bem... já que minha amada irmã quer que eu seja adulto, eu vou agir como adulto. Já estou indo para o campo, se precisar de mim não se acanhe em pedir para alguém me chamar. 

_ Não vai comer alguma coisa? - pergunta, indo até o armário e pegando algumas canecas para por sobre a mesa.

_ Não posso demorar, Marieta.Há muito trabalho a fazer e preciso ajudar os outros. Ainda tenho um trabalho a fazer hoje a noite.

Fico de pé, pondo a cadeira novamente no lugar. Marieta me olha desconfiada.

_ Um trabalho a fazer hoje a noite?Por acaso esse trabalho é assustar aquele velho nojento?

_ Olhe lá como fala dos mais velhos. Nosso pai não vai gostar de ver você chamando o velho nojento Edgar de velho nojento. Tenha respeito, mesmo que aquele velho nojento não mereça. - ela rir da minha bronca desajeitada. - Agora é sério, preciso ir. Se quiser ir brincar lá fora por um tempo, enquanto o nosso pai dorme, pode ir. Quando chegar te ajudo com os afazeres da casa.

_ Certo. Leve ao menos uma fruta para comer no caminho. - diz, mandona.

Pego uma maçã na cesta, dou uma dentada e ela sorrir satisfeita.

_ Bom menino!

_ Até mais! Fique com Deus! - digo já chegando na soleira.

_ Até. - ela grita da cozinha.

Mesmo tendo apenas treze anos e mantendo todo seu ar inocente, minha irmã tem mais responsabilidades do que eu gostaria que ela tivesse. Ela cresceu sem nossa mãe por perto, e com um tempo foi assumindo as tarefas de dona da casa. Fez isso por decisão própria e não há ninguém que a faça mudar de ideia, nem mesmo o nosso pai. Faço o que está ao meu alcance para que ela viva como uma criança, mas admito que nisto não tenho total êxito.

Desde os meus dez anos que trabalho e moro aqui. Não por vontade própria, mas por que não tenho outra alternativa.


Cheguei aqui com o meu pai, minha irmã, minha mãe e mais um grupo de quarenta pessoas. Tenho certeza que tanto para mim, quanto para todos que chegaram comigo, não esperávamos que um dia seriamos obrigados a fazer morada permanente.

Cresci sendo livre, de repente me vi enjaulado, tudo por culpa da arrogância de um velho sem alma.

Meu pai era dono de um circo. Vivíamos como nômades, em grupo pequeno, mais composto por artistas dos mais variados tipos. Cresci entre dançarinos, equilibristas, malabaristas, ilusionistas, palhaços, contorcionistas, cantores... acabei aprendendo um pouco com cada um.

Liberdade era como o ar que respirávamos. Independência era o que nos motivava. Eu, meu pai e nossos amigos, tínhamos o que realmente importava.

Meu pai sempre foi um homem muito humilde, que ensinou tanto para mim quanto para Marieta, que a maior riqueza que alguém pode adquirir é doar nossos talentos para dar a alegria as pessoas. Um sorriso verdadeiro vale muito mais que uma moeda. Até os meus dez anos, eu acreditava nisso. Só convivia com pessoas que pensavam da mesma forma do meu pai, então, para mim, era uma verdade absoluta. Até os dez anos, eu não tinha visto a maldade que escraviza o coração daqueles que valorizam o dinheiro.

Nunca vou esquecer do dia que eu vi a carruagem em que eu estava dormindo pegar fogo.

Pessoas gritando... Minha mãe dando a vida para proteger Marieta ainda bebê... a fumaça embaçando nossa vista e sufocando nossa respiração...

Aquele foi um dia triste. O mais apavorante da minha vida. Meu pai, na tentativa de nos salvar, perdeu parte da perna, sofrendo de dores até hoje. Perdemos nossa liberdade, o pouco que tínhamos e perdemos também um pouco da esperança que depositávamos nas pessoas.

Se não fosse a ajuda dos bons camponeses  que moram aqui, todos nós teríamos morrido. Eles nos ajudaram. Cuidaram dos sobreviventes e até hoje, nos mantém escondidos.

Meu vive acamado. Diz que a perda da perna, foi um castigo merecido. Se ele não tivesse afrontado Edgar, aquela tragédia não havia acontecido. 

Putz... às vezes não consigo entender até onde a bondade do meu pai é capaz de chegar. Confesso que por um certo tempo, cheguei a me revoltar com toda a mansidão que ele tem. Cheguei a desejar que ele fosse mais enérgico, disposto a colocar a culpa em alguém e guardar ao menos uma gota de rancor pelo o que o atentado a nossa vida, mas não, Maestro resolveu não abrir mão de ser um homem bom. Cresci e o tempo me fe ver que meu pai está certo. Percebi que seria idiotice da minha parte me preocupar em sentir raiva, quando tinha uma irmã pequena e um pai doente precisando de mim.

Sabiamente meu pai decidiu não acumular mais ódio, que só lhe trariam mais dores para se juntar as que ele já tinha. Em vez de perder tempo sentindo ódio e remoendo o que lhe fizeram, meu pai preferiu dedicar essas horas transmitindo todo o amor que tinha a mim e a Marieta, como minha mãe gostaria que ele fizesse.

Porém, preciso dizer que por mais que seja semelhante ao meu pai fisicamente, minha bondade é um pouco menor que a dele. Não sou um mal sujeito, mas resolvi, na época apenas por brincadeira, planejei uma espécie de vingança pela morte da minha mãe e dos amigos que perdi.

Escondido do meu pai, tomei sua capa e seu chapéu, passei farinha na cara e me passei por ele. Utilizei tudo que havia aprendido, para assustar o velho nojento. A casa escura, cheia de espelhos e quadros pavorosos, era o cenário perfeito. Tenho certeza que o velho se mijou inteiro, quando me ouviu dizer com a voz tenebrosa, aparecendo nos espelhos da casa. "EDGAR... VOCÊ ME DEVE." 

Ainda tenho crises de riso quando lembro de como ele gritou, trancado dentro do quarto "VÁ EMBORA! EU NÃO MANDEI FAZER AQUILO. LEVE TUDO QUE EU TENHO, MAS ME DEIXE EM PAZ."

Que velho imbecil! Enganado por truques baratos de espelho e alguns passos de dança.

Levei uma boa bronca do meu pai, mas os camponeses adoraram minha brincadeira. Edgar nunca mais saiu de dentro de casa, com medo de me ver e desde então, os camponeses roubam as coisas do patrão e dizem que é culpa do Maestro.

Grr... Velho trouxa!

Avanço um pouco pelo campo gramado, até ver ao longe duas carroças virem as pressas, com os homens a cima guiando as rédeas dos cavalos de uma forma meio bruta, os obrigando a cavalgar cada vez mais rápido.

_ Michael. - Simas ofega, puxando as rédeas e parando bem perto de mim. - Não sabe o que aconteceu na casa grande.

_ Não vou saber se não me contar. - rebato. Ele salta, tirando o chapéu de palha da cabeça e segurando sobre o peito.

_ Elizabeth, a filha do patrão, a que chegou da cidade nesses últimos dias, a que estava muito doente.

_ Chegando da cidade ou não, estando sadia ou não, o patrão só tem uma filha, Simas. O que tem ela?

_ Morreu! - diz ele de forma dramática, com tamanho pesar que chega a ser cômico.

_ É sério? - pergunto, para poder saber se devo rir ou não.

_ Não, Michael. Simas disse a verdade. - diz Ananias sério, saltando da outra carroça - A menina acaba de falecer. Disseram que morreu enquanto dormia. Naná foi até os aposentos dela agora a pouco, para ver como estava e a encontrou morta.

_ Santo Deus! Quantos anos ela tinha, dezoito, talvez? É estranho! Era muito nova para morrer.

_ Não existe padrão de idade para morrer, Michael. A menina morreu por que chegou sua vez. - diz Ananias carrancudo, tentando não deixar evidente a sua indiferença.

Mesmo Elizabeth tendo crescido longe e tendo a visto quando era ainda muito criança, sei exatamente como ela estava atualmente. Sei disso devido as diversas vezes que perambulei por aquela mansão, fingindo ser o meu pai e fazendo barulhos fantasmagóricos, enquanto o velho Edgar estava trancado a sete chaves dentro do quarto, morrendo de medo.

As diversas molduras de prata e ouro que enfeitam aquela casa, guardam os retratos de apenas uma pessoa: Elizabeth. Por mais que o Tirano seja cruel, é ridículo dizer que ele não ama a filha que tem. Ela é praticamente o centro do seu mundo.

Pois é! Pelo visto, toda fruta podre tem sua banda boa. A banda boa do velho nojento é Elizabeth.

Também lembro das vezes que a vi quando era pequena. Todos falavam que a menina era louca, que andava pela casa falando sozinha, mas teve um dia em particular em que pude notar que ela não era tão louca quanto diziam, ela só era sozinha.

Um dia, quando estava perambulando pelo andar de cima, em busca do velho, encontrei a menina espiando pela fresta da porta, com uma camisola cheia de babados que ia até os pés.

Ela sorriu para mim como se já me conhecesse. E seu sorriso era tão doce que não pude deixar de retribuir.

_ Irás dançar hoje? - ela me perguntou com sua voz meiga e os olhos fartos de inocência.

_ Irei. - respondi apenas, vendo seu sorriso se abrir ainda mais.

_ Que bom! Fiquei acordada até agora te esperando chegar.

Dizendo isso ela voltou para o quarto, que apenas pela visão que tive da fresta da porta que deixou entre aberta, pude ver que era farto de brinquedos, alguns deles intocados. Depois de poucos segundos, ela voltou segurando um ursinho velho nas mãos, calçada com pantufas e com um robe cor de rosa que ia até os pés. Ela segurou em minha mão, me levou de volta para o térreo e sentou-se com delicadeza em um canto ao chão, esperando o espetáculo começar.

Naquele dia dancei com olhos marejados. Eu entendi o que meu pai quis dizer sobre provocar alegria no rosto dos outros. Elizabeth sorria e se balançava, apenas em me ver dançar. Foi a única vez que esqueci a vingança pela vida da minha mãe.
Depois de ver os passos sincronizados, ela aplaudiu entre risos e ficou de pé, ainda agarrada ao seu ursinho.

_ Como se chamas? - perguntou.

_ Maestro. - respondi -  E você?

_ Elizabeth, e esse é Chole. - disse, me apresentando o ursinho que segurava.

_ Muito prazer, Chole. - apertei a patinha do urso, arrancando mais um riso dela.

_ Ele gostou de você. - ela me olhou esperançosa. -
Virás dançar amanhã?

_ Não sei. - ao ver o sorriso dela se desfazer, decidi mudar de ideia - Pensando bem, acho que posso aparecer amanhã, se é assim que preferes.

Com um enorme sorriso e fazendo sinal de consentimento, ela subiu as escadas. Os passinhos curtos e desajeitados, abraçando firmemente o ursinho velho. Ao chegar no topo, olhou para mim ainda sorrindo.

_ Te esperarei amanhã. Tenha uma boa noite, Sr. Maestro. - se despediu, voltando para o quarto.

_ Michael, não acha que é a hora perfeita para dar um golpe mais forte no Sr. Edgar? - pergunta Ananias, me arrancando de meus devaneios.

_ Do que está falando?

_ Não seja maluco, Ananías. Michael não faria uma coisa dessa em um momento como esse. - Símas afirma, mas depois se vira para mim, me olhando sem muita certeza do que disse. - Faria?

Dou de ombros.

_ Quem sabe?





Capítulo III
"O susto do fantasma"






Passei boa parte do dia andando pela propriedade do meu pai, coisa que ele jamais permitira que eu fizesse. Andei pelos bosques. Vi o rio de água cristalina que tem nascente do lado oeste e cruza quase todo o vale que circunda essa região. Vi algumas casas simples espalhadas por toda a propriedade. Crianças brincando e esbanjando alegria. Os animais passeando pelos campos. Algumas propriedades abandonadas que meu pai possui nas encostas dos terrenos... conheci praticamente tudo.

Minha alegria é tamanha por finalmente está fazendo isso, que nem ao menos senti cansaço, sede ou fome. Apenas uma sensação de liberdade nunca experimentada me invade.

Sei que preciso voltar, mas não quero. Se papai descobre que estou bem, talvez me mande de volta para aquele lugar. Quero ficar aqui! Quero poder passear no campo, não sei a razão de achar um simples ato como desses tão bom.

Irei voltar e pedir ao meu pai para ficar. Quem sabe ele vendo o quanto esse lugar me faz bem, não queira me mandar de volta para aquele colégio interno.

Enquanto caminho de volta, observo o sol se por timidamente ao longe, emoldurado pelas montanhas e vales. Essa visão piegas, me faz relembrar de alguns acontecimentos da minha infância... foi com essa mesma visão, que vi adentrar nas terras do meu pai, um estranho cortejo de três carruagens coloridas. Pessoas sorrindo, dando cambalhotas e passos esquisitos na sala da minha casa. Um jovem garoto de olhos meigos que sorria com a mesma facilidade em que um passarinho lança voo.

Hoje não tenho certeza se essa foi real ou não. Na certa eu era acostumada a imaginar tanta coisa quando criança, que minhas memórias reais e imaginárias se confundiram umas nas outras.

Chegando a casa principal, o céu já estava mais escuro e não avisto uma só viva alma. Todos os camponeses pareciam ter se recolhido mais cedo do que de costume e o silêncio reinava, contrariado apenas pelo barulho zombeteiro do vento. Decido entrar pela porta dos fundos, assim posso chegar com mais facilidade a cozinha e quem sabe, encontrar algo para comer.

Cruzo a soleira onde mais cedo os homens estavam empilhando as sacas de trigo, quando vejo algo estranho acontecer. Alguém envolto em uma capa preta que vai até os joelhos, de botas e usando um chapéu preto, adentra a cozinha antes de mim. O vejo de costas. Não consigo identificar quem possa ser, mas isso não o torna menos estranho, muito pelo contrário.

_ Maestro? - interrogo com espanto - Então ele existe.

Cuidadosamente vou atrás dele, seguindo-o sem fazer barulho. Ao entrar na cozinha, vejo o colhendo uma maçã da cesta perto do fogão e dando uma mordida. Depois, com muita calma e tranquilidade, apanha algo de cima da mesa e guarda no bolso. Em seguida, vai sorrateiro até os armários e começa a abrir gavetas e potes, em busca de algo mais que possa afanar.

Me aproximo do sujeito ladrão sem chamar sua atenção e me preparo para lhe dar um tremendo empurrão que o faça cair, para que com isso, aprenda a nunca mais pegar o que não é seu. Mas o que acontece me enche de um imenso pavor...

Em vez de esbarrar no sujeito e fazê-lo cair, meu corpo o atravessa e em vez dele, eu que caio estatelada.

Maestro se arrepia inteiro, como se um forte vento gelado tivesse o atingido. Assustado, olha em direção a porta de entrada, procurando por algo estranho. Não encontrando nada, ele se vira novamente ficando de frente para mim e o pouco sangue que ruboriza seu rosto parece sumir.

_ Maestro?

Seus olhos negros saltam da caixa craniana e no mesmo instantes ele solta o grito mais apavorado e excruciante que eu já vi alguém dar.

_ AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHH...

Ele fica uns quinze segundos nessa posição de choque, até se dar conta do que fez e sair correndo, empurrando e jogando para o alto tudo que ver a sua frente.

Fico estática sem conseguir entender o que foi que aconteceu. Acabei de ver um fantasma, quem deveria estar gritando de susto era eu, não ele.

O grito de pavor dado pelo fantasma medroso parece ter assustado toda a mansão. Ouço pessoas correndo. Logo uma senhora gorducha, de cabelos grisalhos entra com dificuldade na cozinha, seguida pelo senhor de idade que vi hoje cedo na soleira.

_ Mas o que foi isso? - Astolfo pergunta assustado, olhando a bagunça deixada pelo fantasma.

_ Foi o Maestro, Naná. Eu o vi. - explico em alta voz. - Lembra que contei sobre ele para você e para papai uma vez, quando era criança. Aquele amigo, que pensei ser imaginário.
Nana olha para o senhor, com olhos preocupados.

_ Acha que foi o Michael, Astolfo? - ela pergunta me ignorando, mas ao invés de aparentar susto, ela está irritada, como se uma criança levada tivesse aprontado uma travessura das grandes.

_ Quem é Michael? - pergunto sem entender - Acabei de dizer que vi o Maestro, Nana, um fantasma. - digo irritada por ela está sendo ignorada quando estou tentando explicar que algo seriamente estranho e sobrenatural aconteceu aqui.

_ Claro que foi o Michael, Nana. Não reconhece a voz daquele moleque? - o outro a questiona, também me ignorando. - Aposto que veio aqui perturbar o patrão.

_ Quem é Michael? Querem fazer o favor de me responder. - exijo diante deles quase aos berros, mas não obtenho sucesso.

O que há de errado com eles? Por que eles estão me ignorando dessa maneira?

_ Reconheci, Astolfo, reconheci! E aquele menino vai me pagar. Se tiver sido ele, vou contar tudo ao pai. O que me intriga é saber o porque ele estava gritando? Não me pareceu os gritos de sempre. Parecia bastante assustado.

_ Também achei! É estranho ele ter jogado as panelas, aquele menino sempre entra na surdina. Uma pluma é capaz de fazer mais barulho que os passos daquele moleque.

_ Moleque? - pergunto, achando mais que estranha a conversa daqueles dois - Não havia moleque nenhum aqui. Era o Maestro, eu lembro dele. Como poderia esquecer?! Ele estava aqui mesmo, nessa cozinha.

Por mais que eu fale, eles continuam se encarando sem me dar a mínima atenção, ou fazer qualquer sinal de que me viram.

De repente sou tomada pelo pânico e a compreensão me atinge na velocidade de uma bala.

Fantasmas não roubam objetos sólidos. Fantasmas não comem maçãs. Fantasmas não saem correndo e jogando coisas para o alto enquanto estão apavorados.

_ Nana? - chamo-a sentindo o medo me invadir - NANA?

Tento tocá-la, tento de todas as formas chamar sua atenção em meio ao meu desespero, mas não obtenho sucesso. Para Nana, a mulher que me criou, sou tão digna de atenção quanto o vento.

Eles saem desesperados da cozinha e encontram uma pequena multidão que se encontra do lado de fora.

_ O que aconteceu, Nana? - pergunta uma mulher loira - Quem estava gritando? O velho louco voltou a gritar de lamento pela filha?

_ Acho que era a voz do Michael. - Simas, reponde antes da outra. - Ele deu a entender hoje cedo, que talvez faria isso. - a loira é a única do grupo a dar um risinho.

_ Não tem graça, Greta! Seu noivo não tem juízo certo. Onde já se viu?! - diz Nana, indignada Sua feição fica triste. Seus olhos castanhos e miúdos, expressão uma grande dor. - O patrão está no quarto da menina Elizabeth, chorando de se acabar. Se aquele moleque veio dar uma de fantasma justo hoje, pode ter certeza que eu mesma seria capaz de transformar ele em um. Pois o mataria por fazer um coisa dessas no dia em que perdi minha menina Elizabeth.

Todos ficam em silêncio e expressões de luto tomam seus rostos.

_ A menina Elizabeth morreu, não foi? - Simas pergunta com pesar.

Deixando uma lágrima escapar pelo seu rosto, Nana responde.

_  Ainda não, mas está nas últimas. A pulsação dela está muito baixa e só regride. Está gelada e delirando e não diz coisa com coisa. É como se tivesse esperando por algo. O doutor que o patrão trouxe da cidade para cuidar dela, nos disse que ela tem poucas horas e que não há mais nada a fazer.

_ Não há nenhuma chance dela escapar? - pergunta a loira, ajeitando o xale e por um rápido instante, posso jurar que vi algo como triunfo passar pelo seu rosto.

_ Não sei. Só nos resta esperar.

Sem esperar para ouvir mais, entro na mansão e decido checar por mim mesma tudo que foi dito pela Naná. Chego perto do meu quarto. Posso ouvir a voz rouca do meu pai lamentando em meio os soluços.

No automático levo minha mão a maçaneta, mas ela a atravessa, da mesma forma que fez com o estranho na cozinha.

Temerosa, fecho os olhos e dou um passo a frente, atravessando a porta sólida. A sensação é estranha... 

Sinto a madeira passar por mim, da mesma forma que sinto o vento me tocando.

Ao entrar, me deparo com a cena mais estranha do mundo: Vejo a mim mesma deitada sobre a cama, pálida e imóvel. Poderia dizer que minha aparência é de alguém morto, se não fosse pelos delírios ilegíveis e sussurrados que saem de minha boca. Meu pai, sentado em uma cadeira ao lado da minha cama, se perde em lágrimas, seus ombros sendo sacudidos pelo pranto.

Edgar é um senhor loiro, alto, com um farto bigode que só servia para esconder a beleza de seus traços enrugados. Há quanto tempo não o vejo... E como me dói vê-lo dessa maneira...

_ Papai?

Ele, apenas chora.

No canto, de pé, está outro homem que nunca vi.  De monóculo, pálido, baixinho, gorducho e quase careca. Com aquele monóculo exagerado e o farto bigode que lhe cobria a boca, ele tinha uma imagem que se assemelhava a um leão marinho de olho inchado.

_ O senhor precisa se acalmar, Sr. Edgar. Não dorme, desde que a menina chegou aqui. Três noites sem dormir, pode fazer mal.

_ Não consigo dormir, Dr. Elífas. Não ao ver minha única filha nesse estado. - ele diz voltando a chorar.

_ Mas o senhor com certeza está cansado, tamanha exaustão também não faz bem a sua saúde. Se quiser posso lhe dar um calmante, assim pode descansar tranquilamente por algumas horas.

_ Não fales disparates, Dr. Elífas. Acha mesmo que estou preocupado com o que acontecerá a minha saúde se a Elizabeth mor... - ele engasga sem conseguir terminar a palavra, como se ao proferi-la lhe causasse uma imensa dor - se algo de pior acontecer a ela?

_ Sei que não se preocupas e entendo vossa situação. Mas do que vos adiantará ficar doente, quanto tens tantos outros bens precisando dos vossos cuidados? O senhor é um homem de muitas posses, precisa se preocupar com vossa saúde se quiser cuidar delas futuramente.

_ Óra, saia já daqui! - meu pai ordena em alta voz - E não volte a me proferir mais nenhuma palavra, já que seus serviços de nada serviram. O senhor pouco sabe sobre mim para me dizer tal afronta. Meus criados seriam demitidos por muito menos. 

O Dr. Elífas sai assustado, tomando a decisão certa de não contrariar a ordem.

Ficando sozinho comigo e meu corpo moribundo, meu pai desfaz a feição raivosa e me olha como se estivesse sendo tomado por uma dor insuportável.

_ Elizabeth. - ele chama ao passar a mão na minha testa. - Por favor, minha filha, não vá aonde eu não possa te encontrar. És tudo o que tenho! Nada vale para mim o que possuo se te perder. Já precisei te afastar de mim uma vez, tudo por causa das assombrações daquele maldito Maestro, mas não vou suportar manter a ti longe definitivamente.

_ Maestro... Papai... Maestro... ele virá?... 

Um dos meus delírios sai em alta voz, como se apenas uma palavra de tudo que meu pai disse fosse suficiente para me tornar mais lúcida. Meu pai se apavora e volta a chorar.

_ Não. Ele não... - meu pai nega desesperado.

Então entendo, sem saber como essa compreensão veio a mim, o que precisa ser feito. Só há um homem que pode me enxergar, é só por ele que estou chamando e é apenas ele que pode me ajudar.





Capítulo IV
"O feitiço volta contra o feiticeiro"





Meu coração ainda está querendo escapulir do peito. Meu ar ainda está confuso, sem saber se deve sair ou entrar, então por via das dúvidas, ele resolveu congelar e não fazer nada.

_ Não foi real, não foi real, não foi real...

Repito para mim mesmo, tentando me convencer de que eu devo ter imaginado coisas, mas os pelos eriçados da minha nuca, meu corpo tremulo e mãos geladas gritam: "Não, seu idiota, realmente aquilo era um fantasma!"

Entro em casa as pressas, assustando Ma
rieta pela segunda vez no dia. Corro em direção ao quarto e tranco a porta com uma batida forte. Sento na cama e tento, em vão, obrigar as minhas pernas a pararem de tremer.

_ Michael? -  Marieta pergunta ao bater na porta - Que houve? Por qual motivo você chegou tão assustado?

Tento falar algo que a tranquilize, mas como farei isso, se não sei onde foi parar a minha voz? Na certa me abandonou, junto com a minha sanidade.

_ Michael, por favor me responde. Estás me deixando preocupada.

_ Está tudo bem, Marieta, não se preocupe. - pigarreio para me recompor - Só esqueci de algo importante e vim buscar.

_ Está tudo bem mesmo? Sua voz está esquisita. - diz ,não se convencendo.

Desprendo a capa do meu pescoço, a jogando de lado e tento recuperar o fôlego.

_ Está, acredite em mim. - reafirmo com mais segurança - Vá brincar lá fora um pouco.

_ O pai está dormindo. Você cuida dele pra mim?
 
Respiro e solto o ar de uma vez. Sorrindo desanimado, ao imaginar como Marieta pode estar atrás dessa porta. Os olhos castanhos, herança de mamãe, esperançosos e ouvido pregado na porta, ansioso para me ouvir dizer que ela pode ir brincar, pois tudo aqui vai ficar bem.
 
Tirando e jogando o velho chapéu do meu pai para lado, abro a porta e é justo essa feição que vejo no rosto de Marieta. Vendo a preocupação dela, ponho a força minha sanidade no devido lugar. Minha pobre irmã já tem preocupações suficientes com um pai aleijado, não precisa ter que lhe dar também agora com um irmão maluco.

_ Está tudo bem, não está vendo? Só vim buscar minha gaita. - digo indo até a cômoda e apanhando a velha gaita que fora de nossa mãe.

_ E precisa de todo esse alvoroço? Levei um baita susto.

_ Como se te assustar fosse algo difícil? - brinco e ela rir - Ande, pare de me enrolar. Vá brincar lá fora, agora é minha vez de cuidar do nosso pai e das coisas de casa.

_ Tudo bem. - diz, ficando mais tranquila em um passo de mágica. - Mas vê se faz as coisas direito. Da última vez você queimou a sopa e todos os dedos de uma só vez. Não consigo entender como um homem feito, não sabe que panela que acabou de sair do fogo queima.

_ Não diga asneiras Marieta. Muitas pessoas esquecem de pegar algum pano antes de pegar em uma panela quente.

_ Mas não tantas vezes quanto você. - ela zomba de mim e termino por rir junto.

_ Agora já chega. Já para fora, vá brincar e me deixe ser responsável por meus atos sozinho por algumas horas. 

Ao vê-la sair, posso notar a sua alegria de criança brotar de dentro dela, fazendo-a dar saltos e isso me faz rir.

Dou uma olhada no quarto do meu pai e o vejo dormindo. Apesar do barulho que fiz quando cheguei, ele não acordou.

Vou até a cozinha para adiantar as poucas coisas que Marieta deixou para fazer. De costas, sinto uma brisa gelada entrar pela porta que Marieta havia deixado aberta, e a sensação arrepiante me faz virar, de súbito.

_ Michael?  - a voz dela sai em eco, da mesma forma que saiu quando ela chamou por mim na cozinha da casa grande. - É o teu verdadeiro nome, não é?

Decido fingir que não a vi. Quem sabe se eu virar de costas e fechar os olhos, conseguirei me convencer que é tudo coisa da minha imaginação.

_ Não adianta fingir que não está me vendo, pois eu sei que pode me ver. Você é o único nesse lugar que está podendo me ver. Você é o Maestro, não é?

Vou até o fogão e recolho a louça usada. Minhas mãos tremem.

Óra essa, não sou um homem frouxo! Mas qual reação se deve ter quando se está em uma situação como essa?
  
Volto até a pia e ao me virar a vejo diante de mim. Minhas pupilas fazem questão de provar para mim que realmente estou a vendo, pois elas praticamente triplicaram de tamanho.

Querido coração, por favor, se acalme!

_ Ainda não me respondeu. Você que é o Michael? O tal que ouvi algumas pessoas dizerem ser o homem que finge ser o Maestro, o fantasma que assombra meu pai? - ela pergunta cruzando os braços e eu engulo em seco.

_ Sou sim. E você é Elizabeth, a filha do ve... do Edgar. A mesma que morreu há algumas horas. - digo, tentando manter a calma - Agora que respondi, vái me deixar em paz?

_ De jeito nenhum. - ela diz para o meu pavor. -  É o único que está conseguindo me enxergar.

_ Óra e que culpa tenho disso? - pergunto me irritando com sua lógica absurda.

_ Culpa nenhuma, mas é o único que pode me ajudar.

_ Sinceramente não sei como posso te ajudar, já que presumo que você está morta. O único conselho que tenho a te dar é: siga a luz. Se você estiver ouvindo o som de harpas, pode ser que esteja chegando no paraíso, mas se ao invés disso, estiveres sentindo o cheiro de algo queimando, sugiro que corra para na direção oposta.

_ Não fale bobagens. Não estou vendo luz, sentindo cheiro e nem ouvindo nada, e sei muito bem que não estou morta.

_ É mesmo? - ironizo, não acreditando na teimosia dessa alma - Então queira me desculpar, mas não é sempre que converso com gente que tem textura de fumaça.

Ela olha para si mesma, checando sua aparência de névoa. Depois volta para mim aquele olhar desesperado e desamparado com que havia me olhado alguns instantes atrás.

_ Não sei por que fiquei assim. Tem alguma coisa errada acontecendo. A única coisa que sei é que não estou morta, ou pelo menos não me sinto assim. Não sei como devo explicar para que entendas o que digo.

_ E mesmo que soubesse me explicar, senhorita, eu não entenderia. Não tenho a mínima ideia de como alguém se sente quando morre, isso é uma experiência que se Deus permitir, só terei daqui muitos anos. Portanto, xô, vá embora, me deixe em paz.

Do desespero ela passa a irritação.

_ Se você finge ser um fantasma, deveria muito bem entender como me sinto. É inaceitável e cruel de sua parte fazer isso com um senhor de idade, sabia disso? Fiquei sabendo que meu pai só me mandou para longe daqui depois que começou a ver assombrações de um fantasma que não existe. É revoltante que você sustente essa mentira, depois de todos esses anos. - ela me olhando com reprovação.

Começando a me irritar cada vez mais com a teimosia e prepotência dela. A obrigo a ver as coisas pelo meu ângulo.

_ Pois fique sabendo que seu pai merece cada susto que leva. Se não fosse um homem tão desalmado e corroído pela culpa do crime que cometeu, não ficaria preso dentro de casa com medo de ver fantasmas.

Ela pensa por alguns instantes, como se estivesse recordando de algo. Estuda com atenção meu rosto. É como se eu estivesse olhando novamente para aquela menina que espiava pela fresta da porta, sendo que, a versão quase mulher, dela.

_ Era você aquela noite. Foi contigo que falei, achando que eras apenas mais um amigo que fingia ter. Foi você que dançou pra mim.

_ Sim, foi eu. - confesso. - Como se lembra? Você era muito menina.

Seu sorriso me pega desprevenido. Há carinho nos seus olhos, ao lembrar daquela noite.

_ Você era meu amigo. Pelo menos eu te considerava assim. Mas é claro... Devo ter contado ao meu pai que te vi e ele assustado por eu estar vendo as mesmas assombrações que ele, me mandou para longe da casa grande... longe de você. - ela deduz.
  
_ Seu pai te mandou para um manicômio? - pergunto em choque me sentindo culpado e ela se irrita.

_ Claro que não, nunca fui louca e meu pai sabia muito bem disso. Fui para um colégio interno. Vivo lá desde então. Agora meu corpo está falecendo, em cima de uma cama.

Balanço a cabeça, voltando ao X da questão.

_  Se seu corpo está falecendo em cima de uma cama, presumo que deverias está lá junto dele. Se continuarmos a ter esta conversa, presumo que quem terminara precisando de um manicômio sou eu. Volte para o além, me deixe em paz. - a expulso.

 _ Não vou te deixar em paz. - diz determinada - Pois, por alguma razão, és o único que pode me ajudar. Precisas ir até a casa grande, dizer ao meu pai que não estou morta.






Capítulo V
"Razões e desrazões"




_ Como acha que posso fazer uma coisa dessa? Como acha que posso fazer alguma coisa? - ele diz tentando manter a voz baixa, mas não consegue esconder a incredulidade na minha proposta - Aceitando ou não, o fantasma de verdade aqui é você. Seu pai não sabe da minha existência, ele nunca mais saiu daquela mansão desde que as assombrações começaram, por isso tenho trabalhado nas plantações junto com os outros todos esses anos. Isso é o que garante o sustento da minha família. O que espera que eu faça?

_ Quero apenas que fale com ele. - explico - Será como uma visita.

_ Uma visita muito animada, por sinal: "Olá, Sr. Edgar, como tem passado? O senhor deve saber quem sou, já que me escuta algumas vezes a noite. Só vim dar um recado de sua filha, que insistiu que eu viesse até aqui para lhe dizer que não está morta." - ele dá uma alta risada, entre divertido e prestes a enlouquecer - Viu como isso parece loucura? Eu sou a última pessoa da face da Terra que pode te ajudar.

_ Mas é a única. - insisto.

_ Pare já de insistir nessa maluquice. - ele teima se descontrolando - E saia já daqui.

Nesse momento, a moça loira que vi alguns instantes atrás, nos fundos da casa principal, adentra sorridente segurando um embrulho nas mãos. Ao ver a situação assustada de Michael, sua feição muda de contente para preocupada.

_ Está falando com quem, Michael? - pergunta, procurando com olhos arregalados em todos os cantos por mais alguém e não encontrando.

_ Com ninguém. - ele responde em um tom nada convincente - Vi um animal e tentei afugentá-lo, acho que era um rato. - ele se recompõe e mantém os olhos fixos na mulher, fazendo um imenso esforço para não olhar na minha direção e verificar se ainda estou aqui - O que faz aqui, Greta? Combinamos de nos ver apenas a noite.

_ Senti sua falta. - ela diz voltando a sorrir, pondo o que trouxe sobre a mesa e se aproximando para lhe dá um beijo.

Ainda posso ver no rosto de Michael os traços do susto que lhe dei, causarem suor na sua testa. Tomado pelo espanto e na tentativa de se acalmar, Michael segura os lados do rosto da mulher loira e intensifica o beijo, como se quisesse garantir que ele estava beijando algo realmente sólido. A mulher loira tomando seu ato por lascívia, passa a investir com mais ânsia, o beijando com mais vontade e o agarrando pela cintura.

Fico incomodada com toda aquela cena descabida acontecendo diante de mim. Mas que safadeza é essa? Michael sabe que eles não estão sozinhos. Além do mais, a porta está aberta, correndo o risco de alguém entrar e os flagrar.

_ Querem fazer o favor de parar com isso. - ralho passando a mão na nuca de Michael, o fazendo se arrepiar.

Michael interrompe o beijo de repente, olha para o lado, ao constatar que ainda estou aqui, fecha os olhos e parece se entregar a insatisfação e ao desespero.

_ Nossa, Michael!  - exclama a loira, recuperando o fôlego - Que beijo! Você até suou. É assim que te deixo? - pergunta convencida.

_ Ora essa, ele está apavorado, sua oferecida, não excitado. - digo me irritando por essa mulher ser tão obtusa e vulgar.

A mulher não faz nenhum sinal de que me ouviu, assim como todos os outros fizeram em toda essa manhã, já Michael olha para mim entre irritado e preocupado. Voltando-se para a mulher, ele engole em seco e lhe dar um sorriso, aceitando entrar no jogo dela.

_ É claro que fico assim por sua causa. Não é a toa que você é minha noiva.

_ Marieta está lá fora brincando, vi quando cheguei. Seu pai deve estar dormindo, já que  a menina só sai pra se juntar as outras crianças, quando Maestro dorme. - ela se aproxima um pouco mais e lhe lança um olhar sugestivo - Poderíamos ir para o teu quarto. Lá ficaríamos mais a vontade.

Mas que pouca vergonha! Não acredito que estou presenciando uma cena como essa. Se Michael concordar em me deixar aqui e ir até o quarto com essa desavergonhada, vou até lá junto com eles. E irei xingá-los tanto e em tão alta voz, que Michael não terá a mínima chance de se concentrar em outra coisa.

_ Não, Greta. - diz tomando a decisão certa - Não podemos ir até meu quarto e correr o risco de que algo mais aconteça. Ainda não somos casados. - ele determina, ela ergue uma sobrancelha em desacordo.

_  Como se fizesse alguma diferença não estarmos casados ainda. Já fizemos isso uma vez, qual diferença faria de fazermos uma outra?

_ A diferença está em que: não farei isso com os seus pais. Eles acreditam que você ainda é pura e irei me casar contigo dessa forma. Você também é irmã do meu melhor amigo. Se Simas descobre que já tivemos algo mais além de beijos, é capaz de nunca mais voltar a falar comigo, isso se não me matar para lavar sua honra. E sem falar que minha irmã pode entrar a qualquer momento e nos flagrar, meu pai pode acordar e nos escutar. Não, Greta.

A decisão dele a deixa irritada e ela se afasta cruzando os braços. Por outro lado, a reação de Michael me deixa impressionada.

_ Por mais que eu te admire, não gosto quando você decide manter os bons costumes a cima de tudo. Isso me ofende, sabia? Me faz sentir uma pervertida, apenas por desejar alguém que é meu. - Michael sorrir.

_ Não voltará a se sentir assim se você pensar primeiro nas consequências, antes de pensar nos finalmente. - dizendo isso, ele se aproxima e diz em tom conspiratório - Esse é meu segredo para não cair na tentação de ceder ao que me pede e esquecer os bons costumes. - a outra rir.

Danou-se! Esquece a admiração. Lá no fundo, ele é tão desavergonhado quanto a outra.

 _ Homem é mesmo tudo igual. - reviro os olhos e ele finge não ter ouvido, mas sua feição preocupada o entrega. - Michael, estávamos conversando. E eu não te deixarei em paz até você decidir me ajudar.


Ele desvia os olhos de Greta e se afasta, passando as mãos no rosto. Ao dar alguns passos adiante, murmura algo para si, como se estivesse suplicando aos Céus pelo retorno de sua lucidez e paz. Ao virar de frente para mim, com Greta entre nós, olha em minha direção, constatando que sou tão visível quanto tudo a sua volta.

_ Você está bem, Michael? - Greta pergunta temerosa, olhando por cima do ombro, na direção em que Michael está olhando e não encontrando nada.

_ Estou. - ele afirma, pelo incrível que pareça, ficando completamente calmo. - Só estou exausto, não comi direito hoje, com muitos problemas na cabeça e com muito trabalho ainda para fazer durante o resto do dia. 

_ Está certo, meu amor. - Greta diz manhosa, se aproximando dele. - Vou te deixar cuidar do que tem para fazer. Trouxe um bolo pra você. Sei que Marieta e o Sr. Maestro gostam muito da minha comida.

_ Obrigada, Greta. Irei comer agora e tenho certeza que a Marieta e meu pai irão adorar.

Com um sorriso, ela vai até ele e lhe dá um último beijo, antes de sair e nos deixar a sós.

_ Como pode estar noivo de alguém como ela? - pergunto sem esconder meu desagrado.

_ O que você quer dizer com "alguém como ela"? - pergunta irritado - Greta é uma ótima moça. É bonita, trabalhadora, digna, do tipo que todo homem sonha em ter como esposa.

_ Ela não deve ser tão digna, já que se deitou contigo antes do casamento e estava disposta a fazer isso novamente sem nenhum remorso. - rebato.

_ Não fale do que você não sabe. - repreende - E ela ter se entregado a mim é algo que só diz respeito a nós dois. Aconteceu apenas uma vez e só permiti que acontecesse, porque tenho e sempre tive desde que pedi a mão dela em compromisso, a intenção sincera de me casar com ela. Se não, jamais teria feito algo do tipo. E além do mais, nem sei por que estou te dando explicações, se não te devo nenhuma. - se empertigando. - Me diz? O que preciso fazer para você me deixar em paz?

_ Então vai me ajudar? - quase explodo de empolgação.

_ Tenho outra escolha? - rebate em desânimo.

Um garota magricela, adentra agitada e ofegante na cozinha, obrigando Michael a não continuar discutindo comigo.

_ Michael, a Sra. Naná está procurando por ti, mas antes, ela quer falar com papai.

O desânimo de Michael prece triplicar.

_ Seria uma boa ela ir cuidar da vida dela.

_ Sinceramente, você é péssimo em respeitar os mais velhos.

_ Não banque a engraçadinha. - Michael responde sem dar maiores explicações e muda de assunto. - Greta nos trouxe um bolo, sente-se e experimente.

Michael entra apressado em um corredor que leva a outros cômodos, a menina vai até o armário, apanha dois pratos e alguns talheres e abre o embrulho trazido pela Greta. Ao partir duas fatias do bolo e depositá-las nos pratos, ela recolhe um, senta a mesa e experimenta, fazendo uma careta em desaprovação que me faz rir.

_ Odeio limão. - ela reclama - Se a Greta colocasse laranja ao invés de limão, o bolo ficaria muito melhor. - ela pensa por um instante - Se bem que nada vindo da Greta ficaria melhor.

Olhando para a casa onde eles moram, noto o quanto é simples e rústica. É feita de madeira e não aparenta ter muitos cômodos. Os moveis parecem terem sidos talhados a mão. Boa parte dos utensílios são gastos, apesar de parecerem bem cuidados. Mesmo sendo uma casa simples, o lugar exala amor.

 Michael volta, com um chapéu na cabeça e uma capa sobre os ombros, os mesmo que o vi usar hoje cedo. Ele recolhe um pequeno pote do bolso, senta ao lado da garota e a forma com que a olha me comove totalmente.


_ Tome. - ele entrega o pote a ela - É o doce da Nana. Aquele que você gosta.

_ Onde você conseguiu? - ela abandona a fatia de bolo e passa a experimentar do doce, sem esconder a empolgação. Michael abre um sorriso enorme.

_ Na casa grande, é claro. De que outra forma conseguiria os doces da Nana?

_ Ah... - De repente entendo, o que ele estava roubando. Ele nada responde, apenas olha para mim e deixa que o silêncio me faça entender ainda mais. - Fazes tudo isso por ela? - ele confirma, com um sinal de cabeça.

Não sei como, mas no olhar de Michael vejo muito mais do que a confirmação do seu furto. Em seu olhar vejo bondade, amor, compaixão... todos os sentimentos que eu julgava conhecer, mas que na verdade nunca presenciei ou os senti, pelo menos não de forma tão intensa, quanto vendo agora.






Capítulo VI
"Motivos"




_ Estão dizendo que você foi assustar aquele homem. - Marieta comenta, olhando pra alheia para o fundo do pote de doce. - É verdade?

A decepção em sua voz e a esperança dela  de que fosse mentira, me corta por inteiro.

_ Fui a casa grande, mas não o assustei. Não hoje. - garanto com uma meia verdade.

_ Você soube? A filha do patrão está muito doente, dizem que está quase morrendo.

_ Sim, fiquei sabendo. Mas a notícia que me deram é de que ela havia morrido, não de que está quase morrendo. - a corrijo.

_ Não, não. Ela está quase. - insiste - Foi o que me disseram. O velho não quer sair de perto dela e está chorando no quarto durante todo o dia. Mesmo ele sendo ruim, fiquei com pena dele. Ele só tem a ela, dá pra imaginar como ele está se sentindo. - seu olhar de repente fica denso - Eu sentiria o mesmo se perdesse você ou o papai. Você ainda lembra do dia que perdeu a mamãe?

A pergunta de Marieta me causa incomodo. Decididamente não quero entrar em detalhes sobre isso. Não quando tem na minha frente um vulto vindo do além me radiografando e pedindo favores malucos.

_ Lembro, como poderia esquecer. - admito - Mas não vamos falar disso, está bem? Pelo menos, não agora. - me levanto, sem dar chance de Marieta prosseguir na conversa.

Marieta não levanta. Fica sentada comendo o doce que trouxe para ela, mas sem a mesma empolgação de antes.

_ Não fique assim, está bem? - me ajoelho para que possamos ficar na mesma altura - Nossa mãe se foi, mas ela ainda está viva, dentro de nós. Nas nossas lembranças, no amor que sentimos por ela. Isso são coisas que não morrem, Marieta. - ela me olha, absorvendo cada palavra que digo - E tens a mim, tens ao nosso pai, a Nana, o Simas, o Sr. Astolfo, a Greta... todos os camponeses que vivem aqui te querem muito bem. - ela pensa por um instante. A adorável ruguinha no meio de suas sobrancelhas se forma.

_ A Greta? - torce o  nariz, demonstrando o seu desgosto.

Logo atrás de mim, ouço uma risadinha debochada. Isso mesmo Elizabeth... ria da tragédia da minha irmã não gostar da futura cunhada.

_ Sim, a Greta. - digo.

_ Como você pode gostar de uma mulher como a Greta, Michael? - Marieta me pergunta de repente, refazendo a mesma pergunta que a fantasma fez alguns instantes atrás. Fico embaraçado.

_ Greta é uma mulher de bem, Marieta. Da mesma forma que você será quando crescer. - respondo.

_ Se for para ser como a Greta, não quero crescer nunca. - resmunga e Elizabeth gargalha alto, aumentando minha inquietação e aborrecimento.

_ Você é jovem de mais para entender tal assunto. - digo e ela me olha com desgosto, pronta para me contradizer mas algo a interrompe.

Duas batidas são dadas na porta aberta e um homem alto entra, com um jeito meio acanhado.

_ Sim, Simas?

_ Vim ver se que se juntar a nós, Michael. Os outros estão fazendo uma fogueira, querem saber se você vai cantar hoje. Talvez Seu Maestro queira passar um tempo fora de casa. Se quiser, eu te ajudo a coloca-lo sentado lá fora.

_ Certo. - dou uma olhada para a cara amarrada de Elizabeth. Essa teimosa não vai me largar. - Vou ver se meu pai quer ir. Tenho certeza que não será apenas ele que irá gostar de nossa cantoria.

***
Uma música tocada por flauta, viola e vozes rola solta, nos animando e fazendo alguns dançarem, enquanto outros batem palma e outros tantos se perdem embalados por risadas e conversas em alta voz. Meu pai ri, junto dos outros, sentado em uma cadeira confortável, com a perna enferma estendida a sua frente. Marieta parece completamente livre de preocupações, enquanto corre e brinca com as outras crianças.

Fico em um canto, quase imperceptível. Não me importo em ser apenas um observador, do que ser o centro das atenções. Sento em um tronco perto de uma árvore, em um lugar não muito distante, mas um pouco isolado de todos. Me sirvo de uma sopa e a cada colherada sinto a enorme diferença dentro mim. Não havia notado o quanto estava faminto.

_ Que fome! - Elizabeth exclama admirada, sentada ao meu lado, com um leve sorriso.

_ Muita. - admito retribuindo o sorriso e não me sentindo mais como um maluco ao conversar com ela.

Olho para o seu rosto enevoado, que mesmo em tom de fumaça não deixa de ser bonito. Olhos com cílios longos, nariz afilado, lábios bem desenhados... seus traços são perfeitos. Eu já achava linda quando a via nos quadros da casa grande, com toda aquela pose de senhora rica, mesmo sendo uma mulher tão jovem, mas por mais estranho que pareça, estou a achando mais linda agora. A admiração em seus olhos, enquanto olha para a cena harmoniosa dos camponeses, confraternizando de forma tão natural, suaviza os traços do seu rosto, a tornando ainda mais bela.

_ É muito lindo isso aqui. - diz elevada, sem tirar os olhos dos camponeses.

_ É, realmente é muito lindo. - digo sem tirar os olhos dela.

Ela se vira para mim, e no mesmo instante olho em outra direção.

_ É estranho que estejam festejando, quando há uma pessoa doente na casa grande a beira da morte. 

_ Mas não estamos festejando, Elizabeth. - a corrijo - Só estamos vivendo como estamos acostumados. Quase todas as noites nos reunimos aqui, é um hábito comum entre amigos. Somos como uma grande família.

_ Infelizmente não posso entender sua comparação. - diz com um sorriso triste - Pois é a primeira vez que presencio uma cena como essa.

_ Me contaram que o velho não deixava você sair de casa.

_ O velho que você diz se chamar Edgar e é meu pai.

_ Ser seu pai não faz dele mais novo, mas tudo bem. Edgar não tinha o direito de te manter trancada o tempo todo. Isso é crueldade de mais. Amor que aprisiona, não é amor.

Ela pensa um pouco. Sei que no fundo concorda comigo.

_ A precaução do meu pai, é medo de me perder. Ele só tem a mim.

_ Mesmo assim não acho justo.

_ Sei que não é. - confirma, com um sorriso desanimado. - Meu pai nunca veio aqui? 

_ Nunca. - respondo - Alguns dizem que é por que ele não gosta de se misturar com gente como nós, mas sei que não é isso.

_ O que acha que é, então?

_ Acho que seu pai é preocupado de mais em perder o que acha que tem. Um homem que só pensa em ter em ganha, não consegue ver que nessa vida a gente só deixa. É dando que se recebe. Seu pai seria um homem mais feliz e menos impiedoso, se fosse um pouco mais generoso. - seu olhar de repente fica mais denso, mais distante.

_ Não sei se posso concordar com você. É natural que ele se sinta assim, tendo tantos patrimônios. É difícil se apegar de algo que lhe causa conforto.

_ E do que adianta ter tanto conforto, se ele permanece sozinho e não pode usufruir de nada, Elizabeth? - ela fica sem resposta por um momento. - Ninguém aqui nesse lugar o respeita e a culpa disso e seu pai. Ele perde muito tempo depositando o seu respeito em coisas, ao invés de pessoas. Por isso é um homem tão vazio e assombrado por remorsos.

_ É por isso que você gosta de assustá-lo? Você tem remorso do que ele fez, há anos atrás?

Olho para outro lado. Elizabeth acaba de tocar na ferida e justo onde mais dói. Sinto algo frio na minha mão. Um toque gelado, mas que se torna tudo que preciso. Olho  para o lugar e vejo a mão enevoada de Elizabeth tocando a minha.

_ Está na hora de você e meu pai deixar as coisas ruins de lado, não acha? Sei que você não é má pessoa. Se fosse, não teria tão gentilmente dançado pra mim naquele dia, apenas para me ver sorrir. Muito menos roubaria, apenas para fazer a única irmã sorrir.

Não sei o que deu em mim de repente, mas suas palavras me fazem sorrir.

_ Isso tudo é para me convencer ir até a sua casa?

_ Não. Mas se foi o suficiente para te convencer... Saiba que te perturbar, é a única alternativa que tenho.

Depois dessa, não tem como não se sentir derrotado.

_ Então vamos. Eu faço o que você está pedindo.






Capítulo VII
"Refazendo os passos"

    



Saímos sem sermos notados pelos camponeses que estavam ao redor da fogueira... pelo menos o Michael precisou fazer esforço para não ser notado, pois nem que gritasse e fizesse um estardalhaço, seria capaz de chamar a atenção.

Enquanto andamos em direção a casa grande, sinto algo diferente, algo que não havia notado desde está manhã. Estou começando a sentir...

_ Estou com sede.


Michael me olha sem entender.

_ Sede? Fantasmas sentem sede? - ele faz essa observação curiosa e eu reviro os olhos e bufo em irritação.

_ Quantas vezes preciso dizer que não sou nenhum fantasma e que ainda estou viva. - ele rir.

_ Tudo bem, me desculpa, acredito que está viva. Mas convenhamos que foi estranho te ouvir dizer que está com sede, considerando o estado em que se encontras. - termino rindo junto com ele.

_ Isso tudo é loucura.

_ É o que estou tentando te dizer o dia inteiro. - ele enfatiza.


Continuamos subindo e descendo colinas em direção a casa grande. É bom estar ao lado dele, por mais que ele seja um implicante. No fundo, gostei de saber que ele é real. Que o amigo que tanto amei quando criança, realmente existe e ainda é da forma que eu o imaginava. Fazendo a curva entre algumas árvores, ouvimos vozes agitadas. Parece ser uma briga.

_ Não acredito que minha própria irmã foi capaz de fazer algo tão baixo quanto isto. Ainda por cima estando noiva de outro homem. - ecoa a voz grave de um homem em alta voz, demonstrando íra em cada palavra.

_ Não é nada que tenha haver contigo, Simas. Sou uma mulher adulta e tenho responsabilidade pelos meus atos. - defende-se outra voz.

_ É isto que chama de responsabilidade? - questiona Simas - Se entregar aos braços de outro sujeito? Você é uma, uma...

Fico em choque, quando entendo do que se trata a briga. Olho para o lado. Michael está irreconhecível. De calmo e amigável, ficou completamente transtornado.

Sem que eu espere, ele sai a passos largos em direção as vozes. O sigo, meio insegura sobre se devo ou não fazer isso.

Chegamos atrás das árvores, encontrando Greta, a desavergonhada, Simas, o musculoso, e outro homem que já conheço, mas não lembro o nome. Este sorrir, achando graça naquela cena desastrosa, enquanto mantém as próprias calças um pouco baixas, o que só torna a situação mais comprometedora.

O barulho dos passos de Michael chama a atenção dos três e a ira que ele exala, faz todos os outros ficarem mudos e mergulharem em completo susto e temor.

_ Michael. - diz Greta assustada. - Não é nada disso que está pensando.

_ E o que estou pensando, Greta? - Michael ironiza. - Ouvi muito bem tudo que foi dito até aqui. E pode ter certeza que entendi tudo muito bem.

_ Michael, por favor, deixe me explicar. - suplica Greta e Michael a ignora.

_ Seu pai e sua mãe são boas pessoas, Símas. Pena que só você foi bem educado por eles.

Lançando um olhar de puro desprezo aos outros dois e sem esperar por alguma outra palavra que aumente sua raiva, Michael segue em direção a casa grande. E como eu tenho feito quase todo o dia, o sigo, tomando a decisão certa de permanecer calada.





Capítulo VIII
"O último show de horrores."





Era como se tudo tivesse ficado muito visível, mas eu não quisesse enxergar. Fico ofegante e suado em poucos instantes. A raiva correndo em meu sangue e fazendo meus pulmões explodirem.

Minha honra foi jogada na lama, por uma mulher que eu julgava me merecer e um homem que eu pensava ser meu amigo. Greta e Ananías, espero que ambos apodreçam juntos.

_ Michael. - me chama a voz doce de Elizabeth.

Uma brisa suave toca meu ombro. Esse simples toque é o suficiente para trazer meu mundo de volta ao normal.

Por mais que eu queira gritar pedindo que ela se cale e me deixe sozinho, não consigo fazer isso. Nada do que aconteceu atrás daquelas malditas árvores foi culpa dela. Preferia que Elizabeth não tivesse visto aquela cena. Talvez assim minha vergonha seria menor. Por outro lado, saber que ela estava lá, junto a mim, demonstrando seu apoio silencioso, me conforta.

_ Obrigado por estar comigo. - as palavras saem sem que eu perceba.

_ Por que estás me agradecendo? - dou de ombros.

_ Senti vontade. - digo apenas e seu sorriso se torna maior, me fazendo sorrir também.

_ Me agradeça indo até minha casa. - diz ao erguer o queixo, ostentando sua adorável postura mandona - Precisa falar com meu pai, lembra?

O silêncio paira entre nós enquanto seguimos até a mansão, mas não é nada que nos deixe desconfortável. Para falar a verdade, isso me deixou estranhamente ansioso e decidido a fazer o que ela me pediu.

O que essa mulher desvairada fez comigo? Ela deve ser alguma espécie de feiticeira e me amaldiçoou desde o primeiro dia que nos falamos. Minha tendência a atender os seus caprichos de bom grado não é algo natural, mas é algo que faz eu me sentir... melhor.

Ouço um suspiro seco do meu lado quando a silhueta da mansão se torna mais visível.

_ Chegamos. - Elizabeth sussurra ao segurar firme o meu braço.

Antes de prosseguir, verifico se tem alguém por perto de guarda e não encontro ninguém. Ando com os passos mais leves e silenciosa, até chegar na entrada dos fundos.

O casarão de três andares está completamente as escuras, exceto por duas janelas no último andar.

_ Meu quarto é aquele. - Elizabeth aponta na direção. - Meu pai deve estar lá.

Meus sentidos se tornam mais apurados a cada passo. Meus olhos ficam atento aos menores movimentos. A sombra mais insignificante ganha certo valor em meio a escuridão.

Encontramos a porta da cozinha aberta e com cautela entramos. Definitivamente não consigo ver nada, a mansão está em um completo breu. Sem que eu espere uma pontada de pânico me atinge. Sinto que pela segunda vez desde que dancei nessa casa, estou fazendo a coisa certa.

Engulo em seco e continuo seguindo, tomando cuidado para que meus passos não façam barulho no assoalho. Chego a sala de quadros, a mesma em que dancei para Elizabeth quando ela era ainda apenas uma criança.

Olho a minha volta e para meu pavor, o espírito de Elizabeth não se encontra ao meu lado. Dessa vez não consigo controlar a pontada de pânico que me atinge.

_ Elizabeth. - a chamo, mas não obtenho resposta.

Tento me recompor. Não posso e não quero voltar atrás.

Subo a escada e paro diante a mesma porta que Elizabeth me espiava, há algumas anos atrás. Encaro apreensivo a fresta de luz. Ela está aqui dentro! Meu coração acelera, fazendo as batidas ecoarem nos meus ouvidos. Empurro a porta. O leve ruído das dobradiças, ecoa pelo quarto iluminado por velas e abarrotado de bonecas.

No centro do quarto, em uma cama de dosséu, coberta com lençóis de linho, ela dorme. Se a mansão inteira desabasse nesse instante, eu não daria a mínima importância.

Sua cabeça repousa tranquilamente sobre travesseiros macios, seus cabelos castanhos e longos emolduram os contornos do seu rosto pálido de bochechas rosadas. Os lençóis brancos e volumosos, dão a estranha impressão de que ela está envolta em uma nuvem.

Suas pálpebras se mexem um pouco, mas ela não abre os olhos. Um sussurro quase imperceptível sai dos seus lábios como um clamor. Não consigo ouvir o que ela diz, até me aproximar e me sentar na beirada da cama.

_ Maestro. - ouço.

_ Estou aqui.

Seguro em sua mão, para que ela seja capaz de sentir a minha presença. No mesmo instante que faço isso, um leve sorriso paira sobre seus lábios.

Por mais estranho, profano e imprudente que me pareça, sinto uma imensa vontade de beijá-la. Porém sou desastrosamente interrompido no meio do meu ato de loucura, quando a porta se abre atrás de mim.

_ Se afaste da minha filha, seu imundo!






 
Capítulo IX
"Triste engano"






Lençóis de linho branco pairam ao meu redor, movidos pela brisa fria da noite que entra pela janela. Um colchão macio e familiar embala meus músculos ainda entorpecidos. Me sento, sentindo uma leve dormência na cabeça, mas o incômodo que isto me causa se torna insignificante quando me dou conta de onde estou.

Paredes brancas, centenas de bonecas e brinquedos que toda garotinha sonharia em ter. Castiçais de ouro, bem moldados e presos nas paredes, iluminam todo o local. Atrás de mim, duas enormes janelas tem como paisagem, arvóres, montanhas e um límpido céu estrelado.

A menos que eu ainda esteja sonhando, este é meu antigo e primeiro quarto.

_ O que está havendo?

Afasto os lençóis, visto os meus pés e vou até a varanda, para ter certeza de que estou certa sobre o lugar onde me encontro. Mesmo em meio a noite escura, posso ver a vasta propriedade se estender sem fim a minha frente.

_ Como vim parar aqui?

Saio as pressas do meu quarto, em busca de alguém que me explique o que está acontecendo. A mansão é exatamente como me lembro, os corredores parecem desertos e sem vida, por mais deslumbrantes e luxuosos que sejam.

_ Não vim fazer nenhum mal. - ouço uma voz estranha vinda da sala a baixo do patamar do segundo andar. De um homem. Uma voz doce e suave. Tão agradável, que não desejo mais parar de ouvi-la.

_ Como ousa dizer que não vieste fazer nenhum mal. Estás fazendo mal nesta casa durante doze anos, seu patife imundo. - revida em cólera uma voz que eu reconheço de imediato. É a voz grave e meio rouca do meu pai.

_ Dançar não pode ser considerado uma maldade. E isso é tudo o que tenho feito. Ao menos nunca fiz como o senhor e mandei atearem fogo em pessoas vivas, quando estavam dormindo. Não tente jogar em mim o peso que seus crimes pôs em sua consciência, pois foram eles que o fizeram acreditar durante todo esse tempo que eu era um fantasma.

_ E ainda me acusa? Não sabe do que está falando, garoto. Não sou tão cruel a ponto de dar tal ordem. Pelo que me tomas? Por algum monstro?

Desço as escadas e a cena em que encontro é de dois homens prontos para a briga. Um com um belo terno amarrotado vestindo seu corpo alto e esguio, com botas pretas que iam quase aos joelhos. Os cabelos desgrenhados e mais grisalhos do que eu me recordava. Este sem dúvida alguma era o meu pai.

Por mais que eu sentisse falta do meu pai e estivesse emocionada ao vê-lo, é no segundo homem que minha atenção se prende. De chapéu e capa negra e vestes simples, ele encara meu pai tão altivo quanto. Um homem lindo e não tão estranho assim. Uma vaga lembrança na minha memória me diz que o conheço, mas de onde?

Minha chegada chama a atenção de ambos, os arrancando da discussão em que estavam.

_ Elizabeth! - exclama meu pai, deixando o alívio escapar em sua voz - Minha filha, finalmente acordou. - seu rosto torturado pela exaustão parece romper em alegria assim que me viu e seus olhos imediatamente ficaram marejados.

Com passos largos meu pai me toma em um abraço apertado. Deixo que ele me envolva, enquanto sussurra suas preces de agradecimento. O outro homem nada faz, apenas me olha, com os olhos tão marejados quanto os do meu pai.

_ O que está havendo? Como vim parar aqui? - pergunto, sem conseguir tirar os olhos do estranho.

_ Você estava doente, minha filha. - responde meu pai ao me largar - Pensei que iria morrer. Te trouxe da cidade grande de volta para sua casa, para junto de mim, para que pudesse cuidar melhor de ti.

Sem que eu espere, ele mais uma vez me abraça, como se tivesse com receio de que eu vá evaporar a qualquer instante.

_ Quase te perdi, Elizabeth. Não tens ideia do medo que senti. Eu te amo, minha filha!

_ Calma, papai. Já estou bem. Eu também te amo.

Afago seus cabelos grisalhos, deposito um beijo em sua bochecha  e um sorrio para que ele possa acreditar no que estou dizendo. Me afasto do meu pai e volto minha atenção para o outro sujeito.

_ Quem é você?

Ele sorrir de canto ao ouvir minha pergunta, mas seus olhos o entregam. O toque de alegria que surgiu em seus olhos ao me ver, abriu espaço para a decepção. Não era bem isso que ele estava esperando ouvir de mim.

_ Não lembra quem sou? - ele pergunta em um tom magoado.

_ Não importa quem sejas. - interrompe meu pai, voltando a se irritar - És um farsante. Um mentiroso e aproveitador sem coração. Suma da minha casa, suma das minhas terras. Você e qualquer um que tenha relação contigo.

Ignorando as palavras do meu pai e olhando diretamente nos meus olhos, o tal homem diz.

_ Mais uma vez, cumpri o que você me pediu, Elizabeth. - sem dizer mais nada ele vai embora.

Fico paralisada, o vendo ir e tentando entender o que ele quis dizer. "Mais uma vez?"

Meu pai o segue, gritando grosserias e desaforos no qual não dou importância.

Volto para o meu quarto, como a mente em transe. Tentando lembrar onde foi que eu o vi. Entro em desespero por não lembrar de alguém cujo a companhia me é agradável.

No meio das minhas muitas bonecas intocáveis, vejo algo que me enche de boas lembranças. Um maltrapilho ursinho de pelúcia marrom, com os dois braços remendados e os olhos de botão. As lembranças se tornam inevitáveis.

Foi minha mãe que fez para mim, quando eu ainda estava em sua barriga. Vê-lo novamente enche meus olhos de lágrimas. Me ajoelho no chão e pego o ursinho para poder observá-lo melhor.

Minha babá, Naná, contou para mim essa história diversas vezes: Minha mãe costurou o ursinho durante meses, usando um tecido macio, para que eu não corresse o risco de me machucar. Com dois anos o batizei de "Chole", na tentativa de chamá-lo de "Charlote", assim como se chamava minha mãe.

Lembro das diversas vezes que dormi com Chole junto de mim. O abraçando e o cheirando, em uma tentativa inconsciente e desesperada de sentir o toque e o cheiro de uma mãe que eu nunca conheci, mas que eu sabia que me amara muito.

Na desilusão de ter esquecido a garotinha de sentimentos puros que um dia eu fui, deixo a emoção me levar. A imitando, me deito no chão, levo o Chole junto ao peito e adormeço.

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Ruídos e gritarias me fazem acordar em um sobressalto. Meu corpo está todo duro, devido a posição desconfortável em que dormi.

Pela janela posso ver que o dia só começou a nascer, mas mesmo assim uma movimentação do lado de fora diz que a uma porção de pessoas estão muitíssimo acordadas e agitadas em seus afazeres.

Contagiada pela disposição dos habitantes deste lugar, passo a me ocupar em meus afazeres também. Estou imunda, um completo trapo, precisando de um banho e trato logo de resolver isso.

Já disposta para encarar um novo dia, recolho o Chole do chão e sigo até a janela, curiosa para ver toda a agitação logo de manhã. É quando chego a janela, que tudo passa a fazer sentido. A lembrança de um menino de cabelo cor de carvão, pele alva e olhos risonhos chegando em uma carruagem vem em cheio em minha memória.

_ Maestro.

 
 


Capítulo X
"Meu destino é te amar."




Tudo já estava reunido na traseira de um cavalo. Não tinha muita coisa, por isso não precisei de muito tempo para juntar tudo.

_ Michael, por favor, não vá. - pede-me Marieta, com a voz baixa e os olhos cheios de lágrimas. Encostada em um canto da porta do quarto do meu pai. - Papai, não o deixe ir. - suplica.

Tudo em mim desmorona ao vê-la desse jeito. Eu seria capaz de fazer qualquer coisa pela minha irmã. Vê-la sofrer é a última coisa que quero.

Desviando o olhar do rosto da minha irmã, me volto para o meu pai. Sentado na cama ele me olha, com a mesma expressão de Marieta, porém mais contida. Em seus olhos posso ver que ele me entende. Sabe que a escolha que estou fazendo é difícil.

_ Não precisa ir, Michael. Não se não quiser - insiste Marieta. - Diga a ele, papai, diga!

Edgar, assim que descobriu que eu, meu pai e Marieta, ainda estavam vivos, ficou aliviado. Ele nos explicou que nunca mandara precisamente seus antigos capatazes atearem fogo no casarão em que ele nos havia cedido. Que jamais seria cruel e mesquinho a tal ponto. Ele era pai de uma filha, sentia a falta de uma esposa que falecera. E durante anos, a culpa de não ter explicado aos capatazes, para não serem tão crueis, o corroeu.
Para demonstrar seu arrependimento, se é que isso era possível, Edgar prometeu cuidar de meu pai e Marieta, como se fossem de sua família, iria dar um pagamento mais justo para os seus criados e tentar se tornar um homem de bem. Mas para isso havia uma condição, eu e apenas eu, tinha que partir dali, sozinho ou com quem quisesse me acompanhar.

Não fiz objeção. Na verdade, o que ele me deu foi um prêmio. Sempre me vi preso aqui, coisa de que nunca gostei. Com minha partida, meu pai e Marieta terão uma vida melhor. E... bem, não sei se consigo continuar vivendo no mesmo lugar que ela.

_ Tem certeza que é isso que quer, meu filho? - pergunta meu pai, sentado em sua cama. - Não quero que viva sozinho. Perambulando pelo mundo a fora, como se não tivesse ninguém que se importasse com o seu bem. Posso conversar com Edgar. Ele só está com raiva por você o ter enganado, todos esses anos.

_ Estou bem, pai. Não se preocupe comigo. Sei como me cuidar. Além disso, esse nunca foi e nunca vai ser o meu lugar. O senhor me ensinou a ser livre, a não me prender a lugar ou coisa alguma. Acredite em mim, ficar aqui não faria bem para mim, agora que Edgar descobriu que estamos vivos.

O que gostaria de ter dito é "não me faria bem ficar em um lugar onde a mulher em que me apaixonei vive, mas não lembra de mim, muito menos sabe quem sou."

Mas não posso dizer isso. Quem acreditaria em mim? Como posso dizer para alguém que só fui para a Casa Grande ontem a noite a pedido da própria Elizabeth. Como posso explicar que ela só acordou depois que eu fui atender seu chamado.

Me levantando, dou um último beijo na testa do meu pai. Marieta vem correndo e me abraça apertado. Faço de tudo para não chorar na sua frente.

_ Quero que fique bem, Marieta. Irei voltar para visitá-los sempre que for possível. Não quero que se preocupem comigo, sei como me cuidar. Aproveitem as coisas que Edgar irá dar. Ele prometeu que iria dar uma moradia melhor, com alguém cuidando do nosso pai e de você.

_ Mas não quero ninguém mais, Michael. Quero o meu irmão junto comigo.

_ Mas eu já vou estar para sempre com você, Marieta. E sempre irei te ter comigo, Sabes por quê? - ela confirma com um sina de cabeça e responde.

_ Porque  estás aqui dentro de mim. - diz pondo a mãozinha no coração.

_ Exatamente. - digo sorrindo, enxugando seus olhos. - Quero que fique com isso. - Tiro a gaita que fora da nossa mãe do meu bolso. Ela a pega, quase não acreditando no que está recebendo. - Ela agora é sua. Eu já te ensinei como tocar. Quando estiver com saudade de mim e sentir triste, toque uma música. Onde quer que eu esteja, eu vou te ouvir e vou fazer o possível para vir te ver. Promete que vai fazer isso?

_ Prometo. - ela diz, ficando mais calma e abrindo um sorriso.

Saindo de casa, vejo uma pequena multidão me esperando do lado de fora. Alguns, emocionados pela despedida. Mas minha real surpresa, foi ver outros juntando as poucas coisas que tinham em carroças, ou em pequenas trouxas jogadas sobre as costas. Uma dessas pessoas era Simas.

_ Não pensou que eu seria capaz de deixar meu melhor amigo partir sozinho, pensou?

Fico sem ter o que dizer em agradecimento as pessoas que decidiram ir junto comigo. Ao longe, em cima de um garanhão, estava o velho Edgar. Ele observava impassível a minha partida.

Entre todos não vejo Greta ou Ananías. O que confirma o que ouvi dizer. Que ambos fugiram durante a noite, com medo do que os camponeses fosse fazer a eles, quando descobrissem que estavam me enganando. Só a covardia deles foi suficiente para que o peso a traição não me incomodasse mais.

Pegando as rédeas do meu cavalo, sigo em frente, sem dar nenhum sinal visível de que não estou indo embora por inteiro. Pois, uma parte de mim foi deixada com minha irmã e meu pai, e a outra parte, sei que sempre pertencerá a Elizabeth.

Me despeço sem nem prestar atenção a quem. Tudo que quero é partir o mais depressa, até uma pessoa parar diante de mim, me impedindo de prosseguir.

Meu coração para, pra em seguida passar a bater mais rápido. Meus olhos ficam vidrados na mulher de pele clara, cabelos castanhos e bochechas rosadas a minha frente. Ela não diz nada, apenas me olha, me permitindo admirá-la, uma última vez.


_ Você parece ficar mais bonita, a cada vez que te vejo.


Ela não se altera._ Onde pensas que vai?_ Sou um homem livre. Homens livres podem ir a qualquer lugar que desejar. 
- dessa vez, ela não consegue conter o sorriso.


_ Uma vez um homem me falou que, o amor de verdade não aprisiona. - sorrio, se dando conta de que ela se lembra. - Não sei se vou ser livre se deixar o homem que me disse partir, achando que não sei nada sobre ele e sem saber se ele sente o mesmo ao meu respeito.

_ Ele sente. - confirmo, sem sombra de dúvidas. - E você não sabe o quanto ele se sente feliz por te ouvir dizer isso.

Ela dá mais um passo a frente. Céus... seus olhos são ainda mais lindos quando estão tão próximos.

_ Eu estava chamando por você, no momento que mais precisei. Nas vezes que me senti sozinha, você estava comigo. Agora não quero sair de perto de você.

Meus sentidos ficam em êxtase, por ouvi tudo que eu queria ouvir. Mas não posso.

_ Não posso te oferecer a vida que já tens aqui, Elizabeth. Não sou rico como teu pai é. O único bem que tenho a te oferecer, é a minha liberdade.


_ E isso é a única coisa que sempre desejei. Não vê que não consigo viver, sem ter você por perto? Não quero voltar a viver na prisão em que eu vivia. Se você for embora, meu destino é ir com você.


Minha voz some. Eu só posso estar delirando! O velho Edgar se aproxima de nós em seu garanhão, mas longe de ser o homem impassível que estava aparentando ser.

_ Elizabeth, minha filha, o que faz aqui. Deverias estar em casa, descansando. Este homem...

_ Me salvou. - ela completa, interrompendo o seu pai. - E é com ele que quero ir.

_ Queres ir embora com ele? - Edgar desce do cavalo e para diante dela, procurando alguma explicação que o faça entender o que está acontecendo - Mas minha filha, tu mal o conhece. Como pode achar que permitirei algo deste tipo?

_ Não me peças para explicar, meu pai, pois é algo que eu nem mesmo entendo. Só estou seguindo a voz do meu coração, uma voz que há muito tenho ignorado, mas que agora vou passar a segui-la.

Edgar fica sem saber o que fazer. Olha para Elizabeth, como se ela estivesse louca._ Papai, eu sei que só serei feliz com ele. Feliz de uma forma que jamais consegui ser. Eu te amo. Mas te peço que me deixe ser feliz, tomando pela primeira vez a minha escolha.

Ele olha de mim para ela.
_ Queres ir com ele? - o Tirano a pergunta.

_ Sim. - ela diz convicta. - É com ele que o meu coração está.

_ Se é isso que queres, só posso desejar que sejas feliz. Não vou dizer que me agrado disto, mas, se ele é o responsável por você está tão radiante, de uma forma que jamais vi, não há que eu possa fazer contra. -  Edgar diz apenas, antes de subir em seu cavalo e partir dali.

Na verdade nem sei se ele realmente partiu, nem sei mais quem estava a nossa volta. Eu só tinha olhos e ouvidos para uma pessoa.

_ Não irá dizer nada? Vai continuar ai, me olhando como se tivesse me visto, uma ou duas vezes? - ela me pergunta com um leve sorriso nos lábios.

Me lembro das poucas vezes que a vi... Na sala de sua casa, há doze anos atrás... Na cozinha da minha casa... em volta daquela fogueira... foram poucas, mas eu só havia me sentido daquele jeito, quando ainda era uma criança livre e nômade.

_ Eu também não sei se seria realmente livre, sem ter você ao meu lado.

É tudo que consigo dizer, pois é tudo que estou sentindo no momento. Antes que ela perceba dou um passo a frente, ansioso para poder tocá-la e senti-la junto a mim. Tomando seus lábios aos meus, a beijo, de um jeito que nunca havia beijado ninguém.

Mais feliz do que jamais estive, partimos juntos.Preparados para vivermos o espetáculo mais incrível de todos... o amor.






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